O senso comum em assuntos políticos pode ser descrito como um “positivismo midiático”, para o qual apenas o que está exposto e registrado nos grandes meios de comunicação, assim como o que é coerente com tal cânon, é digno de consideração. Deve-se dizer que o repertório de informações e opiniões formado dentro de tão estreitos limites, necessariamente adere a uma série de pressupostos que não apenas organiza mas simplifica grosseiramente o conteúdo que circula. São esquemas abstratos rígidos que concatenam ideias, discursos, personagens, grupos e ações sem qualquer margem para a contradição, ou seja, sem riscos de que o cenário se torne perigosamente complexo.  Num tal universo, a política só se deixa julgar pelos critérios do Direito e da Economia, que parecem orientados por algo de objetivo. Não sendo criminoso nem levando uma sociedade à falência, um Governo parece ter mérito em sua função administrativa. Mas igualmente quando o governo é corrupto e quebra a economia do país, a crítica parece tampouco enxergar algo além de criminalidade genérica e erros técnicos de uma gestão.

Referido senso comum, além de fiscalizar o desempenho econômico e os escândalos de corrupção, é guiado exclusivamente por discursos e personagens, a partir dos quais compreende tudo o mais por simples associação. Do ponto de vista eleitoral, parece um paraíso, já que tudo depende da marca do candidato, com imagem e retórica personalizados para o seu eleitor. Do ponto de vista da análise política e dos debates públicos, é insatisfatório e até pueril. Qual a medida do poder efetivo exercido pelo chefe do executivo, pelo parlamento e pelas instituições de um país? E pela elite econômica, pelos militantes, pelo “imperialismo yankee” ou pelo Vaticano? O personalismo-padrão e a demagogia das celebridades políticas não pode responder tais perguntas, exceto por via de narrativas falaciosas e mesmo totalmente mentirosas, mas que soam convenientes para justificar sua atividade pública.

Supondo coerência simples entre idéias, pessoas e práticas, apenas um L.C. Prestes se poderia classificar como comunista. Qual seu discurso? Marxismo-leninismo. Qual sua meta? A ditadura do proletariado, com direito a praticar a censura e o que mais for necessário para estabilizar a nova classe que tomou de assalto o poder. Ele pode até adaptar a análise da conjuntura e elaborar propostas realistas para um contexto de “democracia burguesa”, mas jamais iria maquiar suas intenções. Porém, se ao invés de Lenin, Prestes tivesse seguido as ideias de outro marxista, Gramsci, ou se tivesse passado por um “banho de marketing” para modernizar discurso e imagem numa linha Duda Mendonça ou João Santana, taxado de louco seria todo que o julgasse comunista, pois o jargão bolchevique seria abandonado.

Simples seria se a Ideologia fosse a tese geral que envolve uma concepção de sociedade e um modelo do estado, tal perspectiva se expressasse no discurso de líderes e militância, e a conduta de um governo eleito realizasse tal programa anunciado de antemão. Mas tal simplicidade ignora que a Ideologia unifica e mobiliza militância partidária, o discurso oficial é direcionado à “opinião pública” e tem fins eleitorais, enquanto as ações de um governo podem ter o único sentido de aumento do próprio poder. Encontrar continuidade entre tais momentos do processo seria um milagre.

Mas é à falta de coerência entre marxismo, discurso oficial do PT e suas ações como governo federal, que apelam aqueles que convictamente rechaçam o rótulo de “comunistas”, ou mesmo de “esquerda”, para tal partido. Já na abordagem de Olavo de Carvalho, este se refere ao pertencimento a uma organização internacional quando emprega a noção de comunista para descrever pessoas e grupos, algo facilmente verificável pela consulta a informações sobre o Foro de SP, como seus partidos-membros e agenda para toda a América Latina registrada nas atas de suas reuniões. A partir deste horizonte, outro sentido adquire a corrupção e o desastre econômico brasileiro, o que nos aproxima do que está em jogo na política real. Mas do ângulo do senso comum vigente, isto não passa de imaginação fantástica.

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