A teoria se transforma em poder material tão logo se apodera das massas.
Karl Marx
Muitos podem imaginar que exista relação simples entre os militantes, o movimento político de que participam, os líderes, partidos e ideologia que aparecem sempre como componentes associados formando um só corpo. Nesse sentido, o proselitismo revolucionário teria a função de convencer cidadãos a aderirem à doutrina marxista (“esquerda”, “progressismo”), estimular a presença destes em campanhas e cada mobilização específica, enquanto o partido é orientado sistematicamente pelos princípios ideológicos que defende como mandamentos para sua prática política. No entanto, tal estrutura possui relações muito mais complexas, uma dialética que passa pela cultura e pela concepção do mundo em sentido mais amplo, para então resultar em determinada ideologia e produzir sua prática.
Pela própria concepção do mundo pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e agir.
Antonio Gramsci
A Teoria e a Prática (ou: cognição e comportamento) podem ser tomadas como âmbitos interdependentes. Efetivamente, trata-se de uma unidade, já que os momentos identificados como teóricos ou práticos podem ser diferenciados, mas nunca isolados uns dos outros. Por isso a concepção do mundo adquire sentido político, por compreender-se que, dialeticamente, ela está pressuposta na norma da conduta.
Além disso, é a identidade reconhecida na mesma ideologia que unifica os militantes mobilizados, manobrados com palavras de ordem a cuja obediência estão pré-dispostos. Pertencer a algum grupo cujos membros coincidem na concepção do mundo que os guia é a condição humana universal. Especificamente marxista, porém, é a maneira com que Gramsci reflete sobre este fenômeno com a preocupação pela conquista da Hegemonia político-cultural.
A expressão Concepção do Mundo indica tanto a filosofia dos simples, o senso comum, quanto as concepções elaboradas, hegemônicas ou potencialmente hegemônicas, tanto as grandes ideias coletivas quanto as elaborações individuais dos grandes pensadores que, mesmo se a partir de uma concepção do mundo pré-existente, na qual se formaram e viveram, contribuíram para a elaboração de uma nova e original.
Tommaso La Rocca
Ainda que haja graus diversos de desenvolvimento das capacidades humanas de interpretar a realidade, todos os níveis de entendimento podem estar conectados por uma só concepção do Mundo, mais ampla que a Ideologia, por isso lhe serve de “base filosófica”. Ela abarca os princípios, fundamentos e valores que formam o horizonte de sentido do conjunto de noções metafísicas, religiosas, éticas, morais, estéticas, etc, que orientam nossa existência individual e coletiva. Porém, na medida em que tudo isso é concebido em vista de uma determinada prática política que se busca como finalidade última, Gramsci subordina a totalidade das questões humanas ao que ele acredita ser o ajuste ideal para sustentar a ideologia marxista. Trata-se de radical imanentismo, laico e anti-individualista. O Ser é pensado em função de um Dever-Ser decretado pelo ideal revolucionário. A realidade presente deve ser representada de modo a impulsionar o engajamento na causa comunista, torna-lo uma necessidade, além de uma obrigação que se impõe.
É possível “elaborar a própria concepção do mundo conscientemente e criticamente” ou “participar de uma concepção do mundo imposta de fora”.
Gramsci @ La Rocca
Tais ideias levaram ao protagonismo político dos intelectuais como mediadores entre a Teoria, elaborada por autores marxistas, e a Prática idealmente concebida como movimento popular. O Senso Comum das massas deve ter sido arquitetado de acordo com critérios ideológicos que influenciam e conduzem para a ação desejada. A doutrina revolucionária se tornaria o imperativo categórico a comandar o povo, desde que consiga dominar seu entendimento da realidade social.