Quando o conhecimento produzido por ocidentais busca abarcar a realidade de outros povos e suas concepções nativas, surge a questão do Etnocentrismo. No âmbito dos costumes e instituições, um relativismo tolerante diante de diferenças culturais parece majoritário em nossa civilização, desde que não rompam com alguns princípios éticos que julgamos inegociáveis. Quando se trata, porém, de comparar teses filosóficas e científicas, os problemas teóricos que se colocam não permitem simplesmente que a abordagem se reduza à alusão a uma oposição entre civilizações. Se a organização social de países ocidentais permite delimitar diretrizes que padronizam nossas possibilidades práticas coletivas, não há equivalente disso que permita estabelecer unidade intelectual entre nós.
Jamais houve pensador tão equivocado a ponto de afirmar que o mero senso comum de povos ocidentais carrega o mesmo status de conquistas específicas de nossos maiores filósofos, cientistas ou artistas. Alguém que tenha nascido no mesmo bairro onde nasceu um gênio célebre, não pode, apenas por isso, reivindicar para si o mesmo mérito que seu “vizinho” mais famoso. Disputas teóricas ocorrem em ambiente ocupado por uma pequena elite cultural, não entre populações inteiras. O que diz um físico, ou um antropólogo, é de sua responsabilidade, não uma síntese representativa de nossa longa, e tão heterogênea, tradição. Sem necessidade de extrapolar nossas fronteiras espirituais, encontramos a religião e o ateísmo, o cientificismo e o irracionalismo, a modernidade e o primitivismo, a metafísica e a anti-metafísica. Ou seja, tanto quanto sua defesa, os ataques ao Ocidente são essencialmente ocidentais, sem que entrem em cena quaisquer fatores extra-ocidentais.
“Quem” é a metafísica ocidental? Platão ou Aristóteles? Realismo ou Nominalismo? Racionalismo ou Empirismo? Kant ou Hegel? Positivismo ou Marxismo? Estruturalismo ou Pós-Estruturalismo? Qual ontologia, epistemologia ou antropologia filosófica, já se estabilizou algum dia como consenso ocidental? Nenhuma posição, por mais ocidental ou anti-ocidental que pareça, poderia se impor por apelar ao princípio de autoridade. Há critérios que não podem se ajustar de maneira arbitrária ao que convém em cada caso a um ponto de vista que se quer defender.
Uma cosmogonia indígena é percebida como mito, tal qual o Gênesis bíblico. A psicanálise não é mais científica que o xamanismo. A existência do Deus judaico-cristão é tão negada quanto a de “espírito-guardião” das espécies animais. O perspectivismo ameríndio parece uma ficção tão fantástica quanto o darwinismo. A crítica não pode escolher unilateralmente uma posição determinada por sectarismo cultural, pois se aplica internamente para avaliar disputas entre correntes divergentes que se apresentam no próprio contexto ocidental.
A multiplicidade de teses, e o constante antagonismo entre elas, impede que se imagine uma visão de mundo que represente o ponto de vista nativo oficial do Ocidente, sequer hegemônico. A validade do que produz a pesquisa de um antropólogo ocidental é julgada por outros antropólogos ocidentais, sem que índios ganhem ou percam algo com isso. “Esquecidos” disso, alguns antropólogos oportunistas insistem em vender seu trabalho como a única via epistemológica para se contrapor ao velho fantasma colonial do Etnocentrismo, propaganda sempre atraente para seu público-alvo.