Certas noções gozam de tamanha estabilidade em alguns contextos históricos que se convertem em “base perene” de suas discussões públicas. Assim, no Brasil das últimas décadas, tivemos o mantra de uma única trama na qual atuam sempre os mesmos personagens, numa monotonia confortável para intelectos de pouco talento.
O “dono da bola”, aprendíamos, era o “burguês”, que tinha a seu serviço os políticos, o judiciário, os meios de comunicação, as escolas e as igrejas, todos de joelhos diante do fascínio d’O Capital. Numa compreensão desprovida de estruturas teóricas mais sofisticadas, toda e qualquer pessoa aparentemente rica é tomada como burguesa, não importando sua posição concreta nas relações de produção de uma sociedade, pertence ao que se classifica vagamente “as elites”.
Com uma tal configuração, o extremo do desvio da legalidade que se pode imaginar é a corrupção de cidadãos com cargos nas instituições que sacrificam responsabilidade pública em troca da obtenção de vantagens econômicas pessoais. O político oferece vantagens e mesmo verba para grandes empresários e banqueiros, o judiciário não pune “crime de colarinho branco”, os meios de comunicação, as igrejas e as escolas fazem propaganda dos ideais burgueses, produzindo alienação e impedimento para tomada de consciência de classe por parte dos trabalhadores.
O tédio e o desinteresse em relação aos assuntos públicos quando tal narrativa é pressuposta, torna-se inevitável. O tema da corrupção de fato tem sido o maior clichê da história política recente (novidade mesmo, só a punição), o que não significa que o fenômeno se torne, por isso, simples ou aceitável. Mas o que importa aqui destacar é o vínculo entre a noção de corrupção no Brasil e a narrativa acima aludida em todo o seu conjunto.
Quando veio a criminalidade “tipo PT”, muita dificuldade tiveram os brasileiros para detectar sua diferença específica, alguns até hoje demonstram não serem capazes. Tal qual com a corrupção dos políticos, o pior esperado da administração pública era a tradicional ganância por tomar, via impostos, a produção do trabalhador brasileiro e devolver os piores, ou mesmo inexistentes, serviços públicos para a população, mas por pura negatividade. Ou seja, o Estado parecia ruim por faltar, por estar ausente quando se compromete a participar e solucionar problemas. Poucos teriam imaginado a ameaça oposta: o Estado como fonte ativa da destruição das estruturas de nossa sociedade.