Desde sua origem, a categoria de Deus na tradição judaico-cristã conecta três posições que, no entanto, podem ser tratadas separadamente. Seja no caso de Israel ou da Igreja, a Comunidade é a “casa de Deus”, ambiente no qual se cultua, se adere a uma única Fé compartilhada, se obedecem mandamentos assumidos como dever dos membros daquele corpo. Através da Revelação oferecida como autoridade a orientar o “povo de Deus”, se aprende também que muito além daquele contexto particular, o Universo inteiro é habitado por seu Criador. Além de estar presente, se envolve e intervém nos acontecimentos mundanos. Para completar o conceito, é Espírito e como tal atua a partir da vida interior de cada pessoa.
Apesar da religião ter a tendência de apegar-se a este ponto de vista com múltiplos aspectos quando trata do tema, é necessário considerar que ele funde problemas muito diferentes, ainda que relacionados essencialmente no fenômeno da vida religiosa. De fato, é possível uma excelente defesa da existência de Deus, e até afirmar que a Natureza e a Vida dela dependem. Mas os argumentos empregados no debate metafísico e cosmológico, dos quais geralmente se ocupa a apologética, já não se aplicam, ou perdem peso, para demonstrar a participação divina ativa na realidade humana, ao nível coletivo e individual. Tomado em sentido genérico e abstrato, a maioria da humanidade está de acordo em assumir que Deus existe, mas quem, ou o que, seria tal realidade acima de todas as coisas divide e multiplica as possibilidades de opinião.
Em sentido espiritual, há um profundo paradoxo na noção de Comunidade. Ela só é Una na Santidade, ou seja, na medida em que se diferencia por oposição ao Mundo. Da mesma forma, se identifica a conversão neste nível comunitário como a livre ruptura com outra “filosofia” para se submeter à perspectiva do grupo a que o convertido passa a pertencer. Mas caso a Santidade vigore efetivamente em pessoas solitárias em meio a um Rebanho onde impera o Profano, como em tantos casos se deu historicamente, a Igreja toma a função de Mundo, não de Israel ou Povo Eleito. O pecador teria na Igreja, portanto, a força e o exemplo de luta para se opor ao Mal, sem deixar de aí encontrar manifestações malignas que reduzem a alegada santidade à mais porca hipocrisia.
Para a Igreja, a Fé é a identidade teológica fundamental que une aqueles que a confessam publicamente. Ao nível individual, porém, outras questões surgem. No caso de Deus, a compreensão que uma pessoa é capaz de alcançar pode variar entre as imagens mais mitológicas e infantis até o conceito metafísico dos grandes filósofos e teólogos. Já em relação ao conjunto mais amplo de dogmas e doutrinas, a Fé pressupõe crença em sentido de um conhecimento que só se torna efetivo pela ação divina. As teses religiosas são ensinadas de modo idêntico a um conteúdo escolar, mas só por Graça se chegaria a estar convicto de que são verdadeiras. Mais ou menos como se o protagonismo estivesse na autoridade da Tradição e do Sacerdote, restando ao Espírito Santo a mera função de confirmar a origem divina de tudo o que os alunos de catecismo, ou da escola dominical, sempre souberam de maneira mecânica.
Talvez haja dúvidas de que a possibilidade de encontrar Deus dentro de si fosse descoberta por quem não tivesse nunca recebido esta ideia de gerações anteriores. Tampouco é certo que uma mera noção abstrata, por si só, tenha o poder de produzir experiências e transformação na pessoa que tem na união com Deus seu sentido fundamental. Neste caso, a vida como um todo se torna um meio e uma oportunidade para o desenvolvimento desta comunicação sagrada, na qual o valor supremo está em que simplesmente ela aconteça, muito mais do que nos conteúdos que por tal via se revelem. É a percepção interior e imediata da efetividade de Deus em sua atividade espiritual mais concreta. Vincular a identidade sobrenatural misteriosa conhecida pelos místicos ao Espírito que unifica a Comunidade e à tese metafísica do Criador do Universo, é o que define a síntese da perspectiva teológica bíblica.