Às crianças se reconhece o direito a certa imaginação fantástica, sem que isso represente nada de patológico ou falta de inteligência, até muito pelo contrário. Tal é um dado em nosso senso comum. A fantasia de super-herói ou princesa, com roupa e tudo ou apenas na pose e nos gestos, é verdadeiro clichê da infância. Mas ao observar-se o mesmo em adultos, a coisa parece, no mínimo, preocupante. No entanto, o conjunto dos debates públicos, mas sobretudo os que se dão em ambiente acadêmico, não são de maneira alguma confrontos entre perspectiva teóricas e políticas, mas algo teatral como ocasião para que papéis marcados possam interagir. O que importa é a personalidade, a atitude, a performance estereotipada, jamais o conteúdo “ideológico” dos “discursos”, menos ainda a realidade, palavra já excluída do dicionário de muitos. A overdose de vaidade que produziria tédio e nojo em pessoas normais e acima da média, deve levar ao encantamento o aprendiz que reproduzirá o mesmo padrão que contamine as gerações seguintes.
Há nisso evidente afinidade com o “espírito” que se expressa nas idéias, mas sobretudo no estilo e na retórica, daqueles autores que vigoram como ídolos sagrados do altar dos acadêmicos. Apesar da multiplicidade de autores que desempenham tal função cultural, cada um dos quais traz certas particularidades, o espírito permanece um só. Pode-se resumir isso na imagem de uma pose universal, a do moralista insolente, com todo o cinismo necessário para ostentar ambos os aspectos trabalhando em total harmonia. Diante de um antagonista, tal personagem enxerga uma caricatura de senso comum, que despreza por imaginá-lo como o extremo da ignorância e da perversidade. Daí a justificação da insolência e do moralismo, já que a arrogância acadêmica se acredita superior, tanto intelectual quanto hierarquicamente, ao que apresentam como senso comum. As cores com que pintam a figura da “doutrina popular” são sempre muito sinistras, para que a intervenção disciplinadora dos valores em uma sociedade seja não só aceitável mas uma aparente salvação, pela qual obteríamos o perdão para este tão maligno “espírito ocidental” que herdamos de nossos malditos antepassados.
Ainda quando se trata de atacar valores epistemológicos e estéticos, nota-se a invariável abordagem moralizante. O acadêmico sempre se coloca como a autoridade passando pito em algum moleque malcriado, humilhando-o por não comportar-se conforme a cartilha que defende em suas prédicas. Professores deslumbrados exibem o já habitual sadismo sem qualquer pudor, hipnotizados com a imagem de si mesmos enquanto carrascos torturadores de ideias, da tradição, de autores, de figuras públicas tidas como impertinentes, de grupos e culturas inteiras. Caluniar permanentemente todas essas coisas serve como apologia do intelectual acadêmico, prova que ele merece existir como o parasita que é e ainda gozar do mais alto prestígio.
Da academia irradia o despertar das consciências na sociedade, dela vem a libertação das cadeias que nos oprimem. Só mesmo um professor universitário poderia nos salvar das trevas do capitalismo, da ideologia burguesa, dos valores judaico-cristãos, da terrível razão e da macabra ciência moderna, da técnica e da sociedade industrial, do elitismo estético, das ilusões supersticiosas em que esteve mergulhada toda a nossa tradição até “outro dia”. No fundo, tal categoria de intelectuais nos salva de nós mesmos, ocidentais monstruosos que somos, cercados de tudo que há de maligno em volta, e até dentro de nossa mente.
Além de patético, o espetáculo de péssimo gosto descrito se revela cruel se consideramos que um estudante sufocado por este cardápio numa faculdade só pode escolher a qual docente-fanfarrão irá adular e imitar, no jargão e em cada gesto, assim como na missão que a si mesmos atribuem. Não podem admitir que algum estudante não seja admirador e aspirante a participar do império da mediocridade com que se depara na formação. Cultuar palhaços é dever do aluno, pois deve ser garantido a nossos doutores o direito de se acharem o máximo!