Há três padrões de posicionamento diante do que se convencionou tratar como “mandamentos divinos” no mundo contemporâneo, o politicamente correto. O grupo da “patrulha sincera” é formado por militantes que realmente levam a sério todo este “moralismo” de quinta categoria, dispostos a matar e morrer por ele. Esta perspectiva histérica autêntica garante o simulacro de reivindicação popular que o patrulhamento e linchamento moral fingem representar. Outros apenas se entediam com a ladainha, mas tão ignorantes e ingênuos quanto seus entusiastas, acreditam nas boas intenções daquela irritante histeria coletiva. Por último, há os que instrumentalizam esta tendência para garantir vantagens pessoais e partidárias, de um lado, combatidos por alguns poucos que entenderam esta lógica mas estão contra, do outro.
Na verdade, sob este rótulo disseminado por toda parte, o politicamente correto é um caso particular de método retórico, cujo procedimento se aplica sistematicamente a muitos contextos. Trata-se da vigilância permanente do que dizem e fazem os adversários, ou qualquer pessoa pública que se considere inconveniente para a agenda promovida. Não é jamais necessário verificar se de fato foi cometida uma transgressão politicamente incorreta no caso deles. Hipoteticamente, qualquer ponto de vista defendido e conduta pública podem ser arbitrariamente interpretados, inventando opressão monstruosa onde não houve mais que trivialidades ou, no máximo, contundência em afirmar algo justificável em determinada circunstância. Mas quando o cidadão pertence a partidos e movimentos alinhados ao seu mesmo pacote ideológico-cultural, nem as mais flagrantes atrocidades contra os (alegados) princípios corretos serão alvo de patrulha e ataque feroz à reputação do comprovado “opressor”. Ou seja, para as tropas da nova moral, nada há de errado no machismo, racismo, homofobia, etc, a única atitude imperdoável e que deve ser punida, é a de estar contra, ou apenas alheio, à pauta de movimentos feministas, LGBT, raciais, assim como daqueles partidos que eleitoralmente lucram com estas correntes.
O mesmo mecanismo se observa em debates públicos sobre certo tema específico, mas ocorridos em momentos distintos. Assim, um argumento inquestionável para militantes enquanto o Partido dos Trabalhadores representava a oposição, é julgado absurdo pela mesma militância enquanto o PT ocupava o governo. Para todas as propostas de grandes reformas, medidas e leis específicas, não há positivamente nenhuma perspectiva definida. O critério fundamental é se o teu grupo político está interessado em se fortalecer no poder já conquistado, ou se trata de enfraquecer governos ocupados por inimigos.
Até mesmo a lendária figura do vilão político, a que o PT sempre apelou para associar a nomes como ACM ou Maluf, passa a ser negada quando as mesmas acusações são dirigidas a Lula. Diante do Mensalão, escândalo de corrupção que atingiu violentamente o primeiro mandato do partido, sua militância insultava como “moralismo UDNista” a reação de indignação. Para a maior parte da população, porém, que ainda não era adulta ou nem tinha nascido durante o regime militar, UDN nada significa. É o “moralismo” das denúncias e protestos anti-corrupção encenado pelos ícones do próprio PT ao longo das décadas de 80 e 90, que habita a memória política dos que (ainda hoje) combatem a praga da corrupção.
É impossível controlar, ainda que por via de estratégias engenhosas, que a retórica útil para determinado partido numa ocasião, não será fatal quando retornar contra ele em condição diversa. Por melhores narrativas, palavras de ordem e meios de monopolizar o conjunto de fontes da opinião pública, insistir nesta técnica apenas debilita a credibilidade da ideologia e militância que dela se utilizam, sobretudo quando a hipocrisia é flagrada através de antigos vídeos e registros escritos que servem hoje para corroborar o que reivindicam seus opositores.