Muitas vezes se tentou postular a ilusão como condição universal do ser humano. Seja qual for a natureza de nossas motivações e meta ideal a orientar-nos, tudo não passa de auto-engano. Queremos que a existência tenha sentido, logo, inventamos qualquer um que nos seja útil e conveniente. O conhecimento, inclusive, não passaria de outra dessas buscas destinadas a fracassar, pois jamais o possuímos na plenitude desejada, mas nos serve bem como impulso e inspiração. O raciocínio equivocado que se seguiu a tal posição foi a absurda homogeneização do status epistemológico do conjunto total dos pontos de vista possíveis. Se uma tese existe, ela deve ser tão válida quanto todas as outras, afinal, compartilham igualmente da fatal ignorância, a que estamos como espécie condenados.
Na concepção oposta que tenta ainda salvar o conhecimento, postula-se métodos que ampliam os limites e corrigem imperfeições cognitivas constitutivas. O método científico, com o experimento em laboratório, é um dos mais célebres a prometer tal superação do senso comum. O controle e o isolamento dos elementos observáveis junto ao rigor lógico seriam sua garantia. Como efeito colateral da premissa, generalizou-se o status epistemológico superior de um método a uma comunidade inteira, a acadêmica. Bastaria possuir suficiente erudição em sua disciplina, simples domínio de seu jargão técnico e lugares-comuns, para se auto-denominar autoridade intelectual. E assim se atrai todo tipo de condenação cética à ambição do conhecimento.
O erro está, evidentemente, em tomar o conhecimento válido como equivalente a toda uma comunidade, vista como superior por possuir aquela cultura especial, enquanto um tal horizonte coletivo é precisamente o que se define como o senso comum, ainda que seja o senso comum dos acadêmicos. A vocação para a atividade intelectual não é universal, mas determina apenas uma minoria, que causa estranhamento nos demais. Isto não é problema hierárquico, exceto se este papel social é julgada a único digno dentro da variedade de ocupações com que a humanidade se envolve cotidianamente. Tampouco ser iniciado em alguma seita filosófica ou científica, disponíveis nas universidades, transforma alguém em grande pensador.
Iniciando pelo senso comum, que é o caso da biografia de cada indivíduo, é necessário que se tenha sido determinado pelo princípio de examinar as opiniões correntes desde este ponto de partida, ainda sem qualquer orientação e treinamento que o capacite. Ninguém se torna crítico por ter sido adestrado por seus professores, ainda quando enriquecido pelo estudo bibliográfico. Quem adere acriticamente a modismos culturais antes de ingressar na universidade, apenas irá adquirir a cultura acadêmica como um modismo mais em sua trajetória. Da mesma forma, a independência para rejeitar os lugares-comuns naquele contexto específico em que se vive desde a infância, é o exercício que prepara a atitude adequada de inquietação para não tornar-se mero reprodutor das tendências culturais dominantes ao longo da carreira profissional, nos debates públicos como nos de sua disciplina.
Portanto, não se é intelectual automaticamente, apenas por ter-se tornado nativo de alguma sub-cultura universitária. Aí mesmo neste ambiente, é fundamental que se forme a própria posição diante dos debates com que o estudante, pesquisador ou professor, estiver envolvido. Não se trata de exigência arbitrária de “originalidade” nem de capricho individualista, mas do sinal mais confiável do efetivo domínio do repertório que se espera de intelectuais públicos, quando exibem a formação consciente e meditada das teses que defendem.