Considerando como coisas materiais, não há qualquer dificuldade para reconhecer a fonte da teoria marxista nos muitos volumes de obras de Marx, Engels, Lenin, até os mais recentes como Zizek ou Laclau. Já os acontecimentos políticos que reverberam tal tradição, dificilmente são sequer notados em seus aspectos essencialmente marxistas. Tal estado de coisas não é simples de entender, muito menos de enfrentar. Ao nível do senso comum, se polarizam posições dogmáticas. Ou é absolutamente negada sua existência, ou o comunismo é pressuposto como auto-evidente na paisagem cultural, o que resulta em duelos retóricos caricatos.

Mas a mesma questão admite um tratamento rigoroso com a definição dos conceitos, sem desistir do realismo desafiado pela complexidade do que se dá empiricamente. Se o exame partir puramente da premissa de que a prática do movimento deve realizar fielmente seu programa teórico, ou ser descaracterizada enquanto representante da ideologia que pregam, talvez se terminaria por concluir que o comunismo nunca foi mais que uma palavra que não se refere a nada de objetivo. Nesta perspectiva, mais inteligente parece não levar a sério o que dizem de si mesmos os que se alegam herdeiros de Marx. Apelar aos slogans de propaganda da utopia revolucionária não seria mais que uma demagogia para despistar e manobrar militantes lunáticos em cada sociedade. As finalidades reais do pacote populista oferecido, e bem menos nobres do que é vendido aos eleitores, permanecem em segredo.

Ainda que tudo isso esteja adequado aos fatos, tal postura ignora aquilo que é próprio dos marxistas, além de evidente desencontro entre o marketing e a prática desta corrente. Sem que isto se exponha nas fórmulas ideológicas mais vulgares da militância, a teoria está em plena harmonia com as “contradições” revolucionárias. Já na origem, se nega radicalmente a possibilidade do consenso ou conciliação. Há uma disputa entre lados antagônicos, sendo necessário esmagar o inimigo. Isto se daria pela violência quando o proletariado tomasse o poder de assalto para impor sua ditadura, na medida em que se duvidava do Estado como mero funcionário da Burguesia.

Os marxistas insistem na busca dos mesmos propósitos, mas o revisionismo do século XX multiplicou os métodos para conquistar o poder, as concepções do que seja o processo revolucionário e o modo de exercer autoritariamente seu domínio sem que se admita “retrocessos” na agenda já avançada. É por isso que apenas ao ignorar o que os teóricos do movimento produziram ao longo de tantos anos, se poderia esperar ver cumpridas as profecias de Marx para apenas então admitir a presença real do comunismo, não mais apenas como um fantasma a rondar a imaginação de meia dúzia de paranóicos.

No entanto, foi para aperfeiçoar-se na luta em que estava engajado seu fundador, que os revolucionários adotaram aparência bem diferente. A democracia, o estado de direito ou a propriedade privada, jamais podem ser abertamente ameaçados. Não que devam submeter-se sinceramente às regras das instituições burguesas e do sistema capitalista, mas por terem decidido pela aposta em vias indiretas, muito mais eficazes para subverter a ordem social do que a tradicional violência revolucionária empreendida pelo próprio grupo que deseja tomar o poder. A guerra se tornou mais civil que política, mas também menos militar do que cultural. O protagonismo se deslocou para jornalistas, professores, sacerdotes religiosos, ou qualquer posição social diretamente responsável por fabricar no senso comum a legitimidade da reivindicação de autoridade por seus “camaradas”. Eliminar primeiro a perspectiva de seus inimigos na Sociedade Civil, impondo a ideologia de um partido como cultura universal, para melhor comandar uma ditadura, nisto consiste a hegemonia como ideal a guiar tal estratégia.

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