No próprio termo “opinião” usado na expressão “opinião pública” já se alude a um exercício racional prévio para que ela seja formada. Por analogia ao raciocínio individual, se imagina que os vários grupos organizados na sociedade participem por ocasião de cada debate das pautas políticas e culturais, oferecendo argumentos para defender a própria tese, para que os cidadãos conheçam a pluralidade de perspectivas, a fim de compará-las e chegar a suas conclusões que justificam as decisões que apoiam.
Tal idealização é derrubada pela realidade onde há mecanismos para distorcer os componentes exigidos para uma discussão livre e racional. Desde recursos da comunicação de massa como a permanente propaganda disfarçada de jornalismo e produção cultural, até sutilezas no uso de vocabulário dos argumentos e termos em que se formulam os debates, há meios de manipular fatores decisivos para que sirvam ao interesse de um grupo particular. Ao invés da disputa entre teses via argumentos, para serem avaliados através de critérios lógicos e empíricos, seduzir e confundir por meio de símbolos, fantasias e sentimentos, se justifica como única estratégia eficaz no jogo real pela conquista do apoio popular.
No caso específico da atuação dos formadores de opinião, seja um intelectual público, um professor de adolescentes, um jornalista, ou um sacerdote, operou-se convenientemente uma substituição do significado da palavra “crítica” para torná-la sinônimo de uma postura de engajamento fanático. Fosse Kant verdadeiramente respeitado por sua enorme influência até hoje, todos teriam claro que se trata de examinar rigorosamente teses e argumentos antes de tomar qualquer posição a respeito. Melhor dito, a mera possibilidade de que se defenda alguma tese diante de determinado problema, deve ser objeto de exame do filósofo, muito antes que se precipitar em tomar algum partido. Quando entre militantes, sejam jovens estudantes ou experientes professores, se auto-identificam como críticos, querem dizer somente que se posicionam a priori contra todo conteúdo proveniente de seus inimigos ideológicos e partidários. Ou seja, querem dizer que são firmemente engajados na luta política, em absoluta fidelidade ao movimento a que pertencem, sem qualquer margem de tolerância e diálogo com o “outro lado”. Crítico é o ato da oposição radical e hostil a tudo que se rotula como contrário à causa que move uma militância, sem que seja exigido qualquer exame intelectual, nem do conteúdo que se defende, tampouco do ponto de vista que se odeia e ao qual declara guerra.
O tipo de formador de opinião engajado neste projeto precisa possuir mais características de um “moralista” religioso, por um lado, de um comandante militar, por outro, que as de um intelectual propriamente dito. Sua postura é a de indignada reprovação diante de tudo que esteja assentado como costume de uma sociedade, sempre pronto a fazer sermões que condenam a monstruosidade de comportamentos, ideias e meras palavras, até então trivialidades entendidas como inocentes ou sem nenhuma importância para 99% daquela população. Os padrões de relações pessoais e sociais entre os habitantes de uma região, a religiosidade, metas ideais como o Amor ou a Felicidade, projetos de vida que envolvem carreira profissional e família, tudo merece ser caluniado sob a acusação de esconder malignas motivações ou de consistir em ilusões ingênuas manipuladas pelos mais perversos esquemas de poder. Ao senso comum faltaria um intelectual engajado como ele, que lhe sirva de tutor.
A militância é talhada por tais formadores de opinião para atuar como negação ambulante daquela cultura moralmente desprezível, segundo os ideólogos que orientam o movimento. O que o jovem assume como seu “empoderamento” é uma espécie de auto-ajuda: de maneira puramente performática, com gestos e palavras de ordem, um ativista acredita que macaquear a atitude de seus líderes é a receita para corrigir e disciplinar aquela sociedade terrível. É o que se vivencia através de vandalismo “simbólico” e “ocupações”, sem nenhuma preocupação de verificar os resultados efetivos de sua “ação revolucionária”. Sem qualquer esforço de estudo e reflexão, nem ação relevante, já se pode adotar uma auto-imagem de alguém moral e intelectualmente superior diante de todo aquele que permanece alheio ao mito que lhe inspira. Na verdade, a mera aparência associada à rebeldia justifica que se adote a identidade social do subversivo, um imperativo em ambientes “politizados”, seja qual for a faixa etária média. O mesmo “manual” doutrinário que promete realização pessoal máxima pela via do ativismo político, com seu significado mistificado pelo marketing com que é promovido, se aplica simultaneamente ao propósito de manobrar os “coletivos”. Quando o comando do líder é para grandes mobilizações, a auto-ajuda de cada militante adquire na multidão a forma material com que se efetiva a ideologia.